segunda-feira, 19 de maio de 2014

Alto Preço



"Já chega, pode parar! Você não tem ritmo, é desafinado... você é péssimo, ou melhor, tem que melhorar muito para ser péssimo! Meu conselho é que esqueça sobre cantar, filho!"

– com essas palavras o diretor de seleção de elenco dispensou Jimmy Desjardins.
A meia dúzia de pessoas, também da equipe de seleção, espalhadas pelas cadeiras do teatro, onde acontecia a audição dos candidatos para o elenco de um musical, riram de Jimmy, fazendo-o se lembrar do traumático evento no colegial, quando se apresentou cantando. A cena da miniplateia o fazia rever o auditório de sua escola debochando, atirando coisas e gritando “fora!”.
Jimmy ainda não tinha acabado de deixar o palco, quando ouviu o diretor gritando com a equipe:

“Vocês gastam meu tempo me fazendo ouvir tipos como este? Deveriam tratar de fazerem uma pré-seleção dos candidatos, pelo amor de Deus!”.

Outros que estavam sobre o palco esperando a vez de serem testados, prendiam a boca e olhavam para o chão, tentando não rir.
Pelo menos dessa vez saía com os óculos inteiros! Quando da apresentação no colegial a impossibilidade de enxergar bem com as lentas sujas pelos tomates arremessados o fizeram cair ao sair do palco, e depois precisou remendar as hastes dos óculos que se quebraram no tombo.

Jimmy Desjardins era um indivíduo de baixa estatura, um pouco abaixo do peso, se vestia de modo bastante cafona, usava um corte de cabelo fora de moda e era desprovido de beleza – uma figura nada cativante.

Quando deixou o teatro onde aconteciam as audições, Jimmy parou atordoado ao lado da porta de saída e levou as mãos aos ouvidos e cerrou os olhos. Em sua cabeça, a voz do diretor repetia sem parar as palavras ditas quando interrompeu sua apresentação. Passou um longo tempo assim, ignorando quem passasse por ele. Jimmy não chorou, não se consegue chorar quando se está tão nervoso como ele estava.

Quando conseguiu, se afastou do local, parando no primeiro lugar onde poderia conseguir beber um trago.
Jimmy estava sentado apoiando a cabeça na mão do braço que tinha o cotovelo sobre a mesa. Quando um homem bem trajado, com ar de pessoa importante, o tipo de pessoa que não daria atenção a um sujeito como Desjardins, se sentou à mesa de frente para ele.

- Você sonha em ser cantor de sucesso. Esse é seu sonho, não é, filho? – disse o homem.
Jimmy voltou o olhar para o sujeito e perguntou:
- Como o senhor sabe?
- Eu vi sua apresentação no teatro há pouco.
Jimmy se preparava para ouvir mais um conselho, como o do diretor de elenco, quando o homem continuou:
- Você pode ser muito mais do que todos os que estavam lá.
Desjardins se surpreendeu com a afirmação. E o homem continuou:
- Eu sei o quanto você desejaria poder chutar a bunda daquele tipo que te humilhou lá dentro. Deseja ser famoso e desfrutar os frutos da fama, tais como mulheres, belos carros...
- Com certeza seria um sonho...
- Quem não gostaria de mulheres e carros potentes, não é verdade?
Eles riram.
O homem completou:
- Creia em mim, você pode.
- O senhor acredita mesmo em meu potencial? – perguntou Jimmy.
- Eu o ouvi lá, não foi? – respondeu o homem.
- O senhor trabalha com música?
- Eu trabalho, trabalho com desejos e sonhos e sei que você não deixará passar uma oportunidade de conseguir concretizar os seus.
- Eu faria qualquer coisa, daria qualquer coisa – Jimmy respondeu enfático.
O homem sorriu satisfeito e em seguida perguntou:
- Certamente conhece o Festival dos Novos Ídolos?
- Claro que conheço, senhor! É o maior festival do país! Quem o vence tem carreira garantida, todos os grandes nomes da música de hoje vieram do Festival!
- Pois, eu quero que você participe dele. Você será um dos grandes se assinar contrato comigo. – o sujeito estendeu uma folha de contrato sobre a mesa.
Jimmy não pestanejou e assinou “Jimmy F. Desjardins”.
O homem guardou cuidadosamente o contrato no bolso interno do paletó de seu terno.
- O senhor tem uma música que queira que eu cante? Sabe, eu sou apenas interprete vocal... – respondia Jimmy, quando o homem esticou novamente a mão sobre a mesa, dessa vez entregando a Desjardins um cartão. “Alen Hopley – produtor musical” – dizia o cartão.
- Ele trabalha para mim, vai orientá-lo no que for preciso, e terá uma música para você. – concluiu o homem, e se levantou. Jimmy, agradecido e sonhador, se levantou apressadamente para apertar a mão do homem.

***
Quando Jimmy chegou ao estúdio de Alen Hopley, se sentia em outro mundo. Nunca havia estado em um estúdio musical em sua vida. Hopley tinha uma música pronta para ser interpretada por Desjardins no Festival dos Novos Ídolos.

- Bem, não gosto desse “Desjardins”, seu nome artístico será apenas “Jimmy”. – disse Hopley.



No dia de sua apresentação como candidato ao Festival, Jimmy deixou os óculos de lado e trajou roupa semi social escolhida por Hopley.

Jimmy se posicionou ao centro do palco. Chamava-lhe a atenção não ter a vista embasada pela falta dos óculos.

Piano e teclado começaram a linda melodia composta por Hopley. Mais alguns instrumentos os seguiram e Jimmy começou a cantar de forma irretocável. A música seguiu suave, até que ganhou corpo e subiu de tom no refrão. Jimmy alcançava de forma perfeita as mais altas notas e a cada repetição do refrão Jimmy subia ainda mais as notas sem precisar usar falsetes! Aquele homenzinho feio e de baixa estatura se tornava um gigante diante da plateia que se encantava. Não houve quem não se sentisse emocionado com a canção. Não fora, no entanto, a linda melodia de Hopley, nem as frases enigmáticas e indecifráveis da letra da música, Foi a voz potente, ímpar, a interpretação mais que perfeita de Jimmy que fez todos os presentes verterem lágrimas de emoção, sentindo suas almas serem atravessadas!
Ao termino da apresentação houve um momento de silêncio até que público e jurados conseguissem controlar a emoção. Então, houve a grande ovação com todos, mesmo os jurados, de pé, aplaudindo extasiados a Jimmy.

Jimmy venceu por unanimidade o Festival e se tornou instantaneamente um astro da música. Imediatamente todas as grandes gravadoras do país se estapeavam pelo contrato do vencedor do festival! Seu primeiro álbum incluiu, além da canção vencedora, mais dez músicas compostas por Hopley, e Jimmy até se aventurou a também escrever, e uma canção assinada por ele completou o repertório do álbum, que vendeu milhões de cópias. O nome “Jimmy” passou a ser visto em forma de grandes letras iluminadas nas entradas das maiores e melhores casas de shows de todo o país. E logo Jimmy se apresentava também no exterior. 

Jimmy estava onde sempre desejara estar! Estava no topo! 
Colecionou potentes carros esportes – depois da música era essa sua grande paixão – que gostava de ver estacionados à frente de sua vistosa mansão. 
O antigo garoto estranho, sempre desprezado pelas meninas da escola, que preferiam os garotos populares, passou a ter ao seu dispor multidões de tietes apaixonadas. 
Jimmy se esbaldava da fama, do sucesso e da fortuna em curto prazo! 
Só nunca conseguiu os louros da crítica especializada. Quando lia as críticas escritas pelos jornais, se enfurecia e os rasgava, arremessando-os ao chão.
Tornou-se cada vez mais arrogante. Humilhava os que trabalhavam para ele e todos que lhe fossem subalternos. Humilhava também as muitas mulheres com que dormia.
Seus álbuns seguintes não repetiram o sucesso de seu primeiro trabalho, mas continuava arrastando multidões aos locais de suas apresentações. 

                                                                         ***

Três anos após emergir ao topo da fama, Jimmy chegava a sua moradia, retornando de uma apresentação. Quando entrou na sala da mansão se assustou ao perceber um homem sentado em uma poltrona. Jimmy via o vulto do homem e podia ver que usava chapéu. A penumbra, contudo, escondia o rosto, ocultando sua identidade.

- Quem te deixou entrar? E o que está fazendo aí? – perguntou Jimmy preocupado e indignado com a falha de seus seguranças, ao permitirem a entrada de quem quer que fosse à sua casa.

O homem permaneceu em silêncio. Jimmy apertou os olhos, forçando a vista e esticou o pescoço, tentando identificar o individuo. 

- Quem é você, e o que faz aqui? – insistiu Desjardins.

O homem calmamente se levantou. Ao se levantar respondeu:

- Não se recorda de mim, Jimmy?

Aquela voz era familiar! O homem estendeu a mão, que segurava uma folha, um contrato assinado por Jimmy.

Jimmy então se lembrou da voz, era o homem com quem conversara após a humilhação na seleção de elenco anos atrás, com quem assinara contrato e por quem fora enviado a Hopley.

O homem caminhou mais adiante até onde a luz que vinha de fora o iluminava, no entanto, o chapéu ainda lhe ocultava a fase.

É um prazer reencontrá-lo, Sr. Desjardins, Acho que não lhe disse meu nome na ocasião de nosso primeiro encontro. Espero que você o adivinhe! – disse isso retirando o chapéu, com um gesto cortês.

Jimmy pode ler no contrato em que assinou, que se comprometia a entregar sua alma imortal em troca do sucesso no mundo musical.

- Eu já lhe dei tudo o que prometi naquela tarde, Sr. Desjardins, e o senhor usufruiu o bastante para que minha parte do acordo seja considerada quite. Hoje venho buscar o que me é de direito – disse o homem.

Só então, Jimmy se deu conta, de que tratara com o Demônio.

O pequeno Jimmy Desjardins deu três passos desengonçados para trás, tropeçando nas próprias pernas. E viu o rosto do homem se tornar horrendo.

Aos gritos Jimmy correu, caindo várias vezes pelo caminho, até um de seus carros esporte. 

- Está se esquecendo dos seus óculos, Jimmy – o demônio disse às gargalhadas.

Jimmy deu a partida no veículo e saiu a toda velocidade, deixando a propriedade. Correu com seu carro à velocidade máxima pela estrada, em pânico.
No segundo quilometro de sua fuga, o carro de Jimmy se chocou com um pesado caminhão. Jimmy foi arremessado através do para-brisa. Morreu ao se chocar fortemente com o asfalto. Seus miolos se espalharam na estrada.

No dia seguinte os jornais davam conta da morte trágica do grande astro da música em acidente automobilístico. 
Fãs choravam a morte do ídolo, acendiam velas e rezavam pela paz da alma de Jimmy, que já não lhe pertencia mais.

Jimmy pagou um alto preço. 

4 comentários:

  1. E um preço altíssimo!
    Imaginei td como um filminho na frente dos meus olhos.
    Gostei muitooo!
    E tá aí mais um motivo p/ não assinarmos nd sem antes ler. Em uma dessas é o demônio querendo sua alma :|

    beijos

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  2. Adorei seu conto!
    vc escreve muito bem e conseguiu me deixar curiosa para ler o final...Bravo!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    Muito bom o post!
    http://www.elianedelacerda.com

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  3. Desta vez, no bar, eu imaginei de quem se tratava.
    Gostei.
    Bjs

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  4. ola vc é uma das minhas seguidoras do antigo blog , e hje venho convida-la a seguir o novo , nao quero perder vocês
    DRI LOPES
    http://drilopesblog.blogspot.com.br/

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